quarta-feira, 30 de março de 2016

Alice Moderno e a Festa da Árvore


Alice Moderno e Festa da Árvore em 1914


Em texto anterior recordei o início das comemorações da Festa da Árvore em Portugal, em 1907, por iniciativa da Liga Nacional da Instrução, e divulguei o contributo da professora primária Maria Evelina de Sousa para a Festa da Árvore realizada na Escola de São José, em 1923, em Ponta Delgada.

Em 1914, em Ponta Delgada, as comemorações da Festa da Árvore contaram com o envolvimento das autoridades locais, como o governador civil que se interessou pela mesma, tendo nelas participado ativamente e a comissão administrativa de Ponta Delgada que as custeou.

Do programa das comemorações, constou uma reunião no palácio do Governador Civil, onde depois do discurso do governador, Dr. João Francisco de Sousa, houve uma preleção pelo Dr. Júlio Soromenho Romão dirigida às crianças sobre o significado da festa.

A seguir realizou-se um cortejo cívico por várias ruas de Ponta Delgada, onde foram plantadas árvores por alunos de várias escolas.

Para ficarmos com uma ideia da dimensão que terá tido o cortejo, a seguir indica-se algumas das entidades participantes: um piquete dos bombeiros voluntários, escolas do sexo feminino de São Roque, Arrifes, Relva, Fajã de Baixo, Fajã de Cima, Bom Despacho, duas escolas do sexo feminino da associação “O Século XX”, escolas do sexo masculino de São José, de São Roque, Fajã de Baixo, Arrifes, escola da Associação das Filhas de Maria, colégio Antero de Quental, colégio Lomelino, colégio Insulano, Escola Minerva, Colégio Manuel José de Medeiros, Escola Móvel, Escola de Desenho Industrial, Academia da Federação Operária, Associação dos Empregados do Comércio e Industrias, Filarmónica Lira de São Roque, Filarmónica Lira do Oriente, da Fajã de Baixo, Filarmónica Lira da Oliveira, da Fajã de Cima, Filarmónica Rival Outeirense, dos Arrifes, Filarmónica Rival das Musas e Filarmónica Lira Açoreana

Na Vila da Lagoa, a Festa constou de uma concentração das escolas da vila e das freguesias no Jardim da Câmara, seguida de cortejo cívico, plantação de uma árvore e discurso do professor José Furtado Leite, da escola masculina do Rosário

Alice Moderno para além de noticiar estas iniciativas e publicar uma reportagem no seu jornal “A Folha”, escreveu um texto intitulado “A Festa de Hoje”, que dedicou ao governador civil, Dr. João Francisco de Sousa, publicado no referido jornal, no dia 15 de março.

Depois de mencionar que a Festa da Árvore é celebrada em diversos países, Alice Moderno escreve que a mesma “tem muito principalmente razão de ser nos essencialmente agrícolas, como este, cujo solo privilegiado dá asilo a uma das floras mais completas de toda a Europa” e acrescenta “seja em que campo for que a exploremos, a terra portuguesa produz sempre, recompensa sempre ao agricultor os afetos com que a cultiva, enriquece e ornamenta”.

Sobre as virtudes da árvore, Alice Moderno apresenta um vasto conjunto de exemplos de que destacamos as seguintes:
“A árvore é a essência medicamentosa que fornecerá o alívio aos tormentosos males que cruciam a precária humanidade.
A árvore é a confidente discreta dos namorados e a desvelada protetora dos pássaros – esses poetas do ar.
A árvore é a maior riqueza da gleba, o maior tesouro dos campos e o maior encanto da paisagem!
A árvore é um dos fatores primos de várias indústrias, é o sustento da lareira, é o calor no inverno, como é a frescura no verão.

A árvore é a regularizadora da saúde, a mantedora da higiene, a fertilizadora dos campos, a amiga máxima do lavrador.

E quantas vezes é a árvore, o arbusto, a planta, a terra, enfim a alma mater, a amante fidelíssima, o refúgio supremo, a suprema consolação?!”

Palavras que ainda hoje não perderam a atualidade.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30897, 30 de março de 2016, p.13)

segunda-feira, 7 de março de 2016

Relheiras e animais de tiro



Relheiras e animais de tiro

A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores aprovou, em 29 de outubro de 2015, uma resolução apresentada pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP que recomenda que o Governo Regional dos Açores inventarie as relheiras existentes na Região, que considere a sua promoção como elemento turístico e que elabore, no prazo de 200 dias, um relatório que inclua, entre outros itens, uma inventariação e um plano de proteção.

As relheiras, que são sulcos escavados pelas rodas dos carros de bois na rocha vulcânica, existem em várias ilhas. Na ilha de São Miguel há nos Fenais da Luz e são o testemunho do trabalho árduo dos nossos antepassados e do esforço, muitas vezes não compensado ou reconhecido, dos animais de tiro que foram grandes auxiliares do homem até ao aparecimento dos veículos motorizados.

Quem fizer uma leitura dos jornais até à década de 70 do século passado verá que as denúncias sobre maus tratos aos animais eram relativos aos animais de companhia, sobretudo cães que eram abandonados, e aos animais de tiro, com destaque para os bois que percorriam grandes distâncias, como, por exemplo, entre a Maia e a fábrica do açúcar em Ponta Delgada no transporte de beterraba e que não só não eram bem alimentados como eram vítimas das aguilhadas.

Mas, não se pense que os maus tratos a que eram sujeitos os bois se devia apenas à ganância ou ignorância dos seus donos, pois maus exemplos eram também dados pela Câmara Municipal de Ponta Delgada. Com efeito, em 1925, o “lastimoso estado de magreza” dos bois camarários era tal que o Correio dos Açores publicou o seguinte apelo dirigido à Sociedade Micaelense Protetora dos Animais:

“O estado esquelético em que os pobres bois municipais quotidianamente andam pelas encovadas ruas desta cidade, puxando carroças de lixo, não é um motivo de compaixão.

Indagando a causa de tanta magreza, viemos a saber factos espantosos que se dão com a alimentação destes animais. Como, porém, somos suspeitos ante as pessoas que devem fiscalizar estes serviços, chamamos, humanamente, a atenção da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais para este caso que também envergonha o nosso meio social”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30879, 8 de março de 2016, p.11)

quarta-feira, 2 de março de 2016

A Festa da Árvore em 1923


A Festa da Árvore em 1923

“Plantar árvores é não só amar a natureza. Mas ainda ser previdente quanto ao futuro, e generoso para com as gerações vindouras. Cortá-las ou arrancá-las a esmo, sem um motivo justo, é praticar um acto de selvajaria” (Alice Moderno, A Folha, 16/2/1913).
Através da leitura do discurso, do Dr. Jacinto Gusmão de Vasconcelos Franco, proferido na Festa da Árvore realizada na Escola Normal Primária de Ponta Delgada, publicado no jornal Correio dos Açores, no dia 20 de maio de 1923, tomei conhecimento de que a primeira festa da árvore ocorreu em Portugal, na primeira quinzena de março de 1908, por iniciativa da Liga da Instrução Pública.

Através de pesquisas efetuadas cheguei à conclusão de que o nome correto da organização promotora da Festa da Árvore foi a LNI-Liga Nacional da Instrução, instituição fundada em maio de 1906, por proposta de Trindade Coelho, que tinha como objetivos, segundo Sara Pereira, a promoção da educação nacional, e em particular da escola primária, o combate ao analfabetismo e a promoção da educação cívica, através da divulgação da Festa da Árvore.

De acordo com Sara Pereira e Inês Queirós, a primeira Festa da Árvore, iniciativa da LNI não se realizou em 1908 mas sim a 26 de maio de 1907, no Seixal. Depois, foi o jornal O Século Agrícola a impulsionar as Festas da Árvore realizadas entre 1912 e 1915.

A Festa da Árvore realizada, em 1923, em Ponta Delgada, deve a sua existência, segundo uma nota publicada no Correio dos Açores de 3 de maio de 1923, a uma portaria governamental que estabeleceu “que se realizasse em todos os estabelecimentos de ensino do país a Festa da Árvore, dentro do mês de abril, em dia escolhido pelas direções dos referidos estabelecimentos”.

Na festa realizada naquele ano na escola oficial de São José, depois de um discurso proferido pela professora Maria Evelina de Sousa, os alunos recitaram poesias e em seguida dirigiram-se à Praça 5 de outubro onde “brincaram alegremente em volta das árvores que ensombram aquele aprazível local”.

Maria Evelina de Sousa, militante republicana convicta, depois de elogiar o facto da realização da festa se dever ao “carinho generoso” que merece a educação popular por parte do “Governo da nossa Pátria”, passou a enumerar alguns benefícios das árvores para a Humanidade.

Segundo ela, há os seguintes benefícios “utilitários”:

“Purificadoras da atmosfera, dando aos animais o oxigénio de que necessitam os seus pulmões, absorvem ainda o carbono que tão prejudicial é à espécie humana.

São elas, as boas árvores, que defendem os povoados das avalanches produzidas pela acumulação da neve e dos gelos; são elas que diminuem e quebram a velocidade dos ventos e a impetuosidade dos ciclones; são elas que distribuem e atraem as águas tão úteis à agricultura; elas ainda que obstam à invasão das dunas e constituem os mais primitivos para-raios”.

Maria Evelina de Sousa não se ficou por estes papéis “utilitários”, também referiu no seu discurso à sua beleza, tendo mencionado que não se pode ignorar o facto de as árvores constituírem um dos maiores encantos da Natureza.

Passados tantos anos, tantas comemorações do Dia da Floresta, tantas aulas de ciências da natureza e de biologia, tantas sessões de plantação de árvores nas escolas e não só, não se percebe por que razão continua a árvore a ser tão maltratada, quer pelo cidadão comum, quer por responsáveis autárquicos ou governamentais.

Será que nos Açores, tal como acontece com outras maleitas, há muita gente a sofrer de dendrofobia?

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30874, 2 de março de 2016, p. 13)