terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Alice Moderno, a Sociedade Micaelense Protetora dos Animais e as touradas


Alice Moderno, a Sociedade Micaelense Protetora dos Animais e as touradas

A posição de Alice Moderno sobre as touradas é a de clara oposição às mesmas e foi manifestada publicamente por mais de uma vez, através dos seus escritos, de que são exemplos as suas Cartas das Ilhas, números XIX e XX.
Na “Cartas das Ilhas – XIX”, dedicada a Luís Leitão, publicada no jornal “A Folha”, de 8 de Março de 1912, Alice Moderno relata que contrariada foi assistir a uma tourada a convite de amigos terceirenses e confessa a sua compaixão pelo cavalo “esquelético”, um “pobre animal, ser incompleto, irmão nosso inferior” que “no fim da vida, é posto à margem e alugado a preço ínfimo, para ir servir de alvo às pontas de uma fera…”. A fera (o touro) por seu lado, “será barbaramente farpeada, até que, enfurecida, ensanguentada, ludibriada, injuriada, procurará vingar-se arremessando-se sobre o adversário que a desafia e fere”.
Na “Cartas das Ilhas – XX”, publicada no jornal “A Folha”, de 10 de Março de 1912, Alice Moderno confidencia que, para não ferir suscetibilidades, não fala no “tema perigosíssimo das toiradas”, nem comunica o que vai na sua alma aos terceirenses, que segundo ela são “ semi-espanhóis no capítulo de los toros, e não compreenderiam a minha excessiva sentimentalidade”.
No dia 23 de Abril de 1933, reuniu, na casa de Alice Moderno, a direção da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais para “deliberar sobre assuntos urgentes”. De acordo com o jornal Correio dos Açores, do dia 25 do mesmo mês, um dos assuntos a tratar eram as touradas com touros de morte. Na ocasião foi lido um ofício da Sociedade Protetora dos Animais de Lisboa a solicitar a colaboração da SMPA no sentido de pedir ao governo para que “não permita o estabelecimento neste país dos touros de morte. Ficou acordado enviar um telegrama “ao sr. Presidente do Ministério, manifestando a S. Exa o quanto magoaria a sensibilidade dos amigos dos animais a introdução de tão bárbaro divertimento, e quão deprimente seria para a civilização portuguesa o conhecimento do mesmo perante o mundo culto”.
A este propósito, convém recordar que os touros de morte haviam sido proibidos em Portugal, por decreto datado de 14 de abril de 1928, mas continuam, ainda hoje, legalmente, em Monsaraz e em Barrancos, o que não deixa de ser absurdo.
No relato de uma visita que fez a Espanha publicado no Correio dos Açores, de 2 de Fevereiro de 1935, Alice Moderno escreve “Barcelona seria um verdadeiro Éden “ se o autocarro “não tivesse parado em frente a um enorme edifício, de construção luxuosa, cujo fim o seu aspeto logo indicava, e deve ter custado à província alguns milhões de mal empregadas pesetas”.
O edifício em causa era a Praça de Touros Monumental, onde não há touradas desde Setembro de 2011, na sequência da proibição de touradas de praça, a partir de 1 de Janeiro de 2012, na Catalunha. A outra praça de touros, a Praça de Las Arenas, existente na mesma cidade foi transformada em centro comercial.
Ao estar frente à Praça de Touros, Alice Moderno lembrou-se dos “sofrimentos inauditos” de que eram vítimas os animais e acudiram à sua mente o que escreveu o escritor Victor Hugo:
“Em todas as corridas de touros aparecem três feras, que são o touro, o toureiro e o público. O grau de brutalidade de cada um destes brutos pode calcular-se pelo seguinte:
O touro é obrigado.
O toureiro obriga-se.
O público vai por um ato espontâneo da sua soberana vontade e, ainda por cima, dá dinheiro.
Observem bem esta graduação:
O touro, provocado, defende-se.
O toureiro, fiel ao seu compromisso, toureia.
O público diverte-se.
No touro há força e instinto.
No toureiro, valor e destreza.
No público não há senão brutalidade”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 30522, de 31 de Dezembro de 2014)

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Alice Moderno e o Recreio das Salas


Alice Moderno e “O Recreio das Salas”


Por iniciativa de Alice Moderno, em novembro de 1888, viu a luz do dia pela primeira vez, em Ponta Delgada, uma nova publicação intitulada “O Recreio das Salas”. Dirigida por Alice Moderno, o primeiro número anunciava como colaboradores “alguns dos principais talentos que adornam a literatura Portuguesa”. Entre eles, destacam-se os nomes de Antero de Quental, Ernesto Rebelo, Francisco Maria Supico, Júlio Pereira Carvalho e Costa, Maria Amália Vaz de Carvalho, Moniz Ferreira e Xavier da Cunha.

O jornal mensal, como Alice Moderno o intitulava, estava dividido em várias seções: a noticiosa, a científica, a histórica e biográfica, a literária, a bibliográfica e por último a charadística, enigmática e recreativa.

Segundo Alice Moderno, o jornal que pretendia ser “decente, respeitador do lar, das cans e bom conselheiro da mocidade” tinha como maior ambição instruir, moralizar e recriar.

Em todos os números do jornal, Alice Moderno contribuiu com poemas até então inéditos ou que haviam sido lidos em vários eventos, de que são exemplos “1º de Dezembro” que havia sido recitado por um aluno numa “palestra académica” que ocorreu a 1 de dezembro de 1888, “Monólogo” que foi recitado numa “festa artística” realizada no Teatro Micaelense em 19 de Janeiro de 1889 e “Um Leão Reformado”, declamado numa récita de beneficência a favor do ator Afonso dos Reis Taveira, no dia 7 de Fevereiro de 1889.

Na secção histórica ou biográfica, Alice Moderno escreveu um texto sobre a vida e a obra de Charles Darwin.

Sobre a personalidade de Darwin, autor de, entre outros, “A origem das espécies”, Alice Moderno escreveu: “Disseram de Litré que havia sido um santo secular, o mesmo podemos dizer de Darwin se considerarmos a bondade, paciência, delicadeza e probidade de que era dotado e de que deu durante a sua existência as mais constantes provas”.

Sobre o darwinismo, Alice Moderno, escreveu que se podia sintetizar no seguinte: “Todas as espécies animais e vegetais, passadas e atuais, descendem de três ou quatro tipos originais e provavelmente d’um único tipo primitivo, cujas transformações se tem ido operando sucessivamente”.

Em 1889, o jornal O Arauto, da ilha Terceira” contestou o facto de Alice Moderno ter escrito, que a matrícula de uma aluna no Liceu Nacional de Angra do Heroísmo ser “mais um passo dado a bem da instrução, do progresso e da civilização”. Numa crónica publicada no nº 3 d’ “O Recreio das Salas”, Alice Moderno responde ao autor da crítica nos seguintes termos: “não é lógico, filosófico, nem humanitário que o homem faça da instrução secundária ou mesmo superior uma propriedade exclusivamente sua”.

Na mesma crónica Alice Moderno refuta o argumento de “que a mulher não deve reinar onde estiver o homem”, com o seguinte afirmação: “Concordo em como não deve reinar! Neste caso sou apologista da república universal… não reine nem um nem outro ou antes, reine aquele, homem ou mulher, que se distinguir pela sua inteligência e pela sua erudição”.

A propósito de uma publicação intitulada “Escritoras espanholas contemporâneas” que lhe foi oferecida, Alice Moderno transcreveu, sem comentar, no jornal que vimos referindo, o prefácio. No mesmo, o autor referindo-se ao facto de uma mulher ter uma ocupação fora do lar escreve:
“Haverá algum marido, haverá filhos, que a façam esquecer os esplendores do passado pelas regalias do presente?
Existe o marido que ame a sua mulher a ponto de compensar-lhe o sacrifício, existem os filhos dignos de abnegação sublime, existe a mulher capaz de renunciar à glória entrevista, pela tranquila alegria familiar, existem cremo-lo, queremos crê-lo, mas esse marido, mas esses filhos, e sobretudo, essa esposa, essa mãe, essa mulher, essa artista, constituem uma excepção”

Vinte anos depois, em 1909, Alice Moderno, no seu jornal “A Folha” era bem clara sobre o direito da mulher ao trabalho, quando apela aos pais para que, em vez de estarem preocupados com dotes para a filha, lhe darem “educação que a habilite a bastar-se a si própria, uma profissão que a ponha ao abrigo da miséria, com todas as suas tentações, e da dependência, com todas as suas revoltantes baixezas”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 30505, 10 de Dezembro de 2014, p. 12)

Adolphe Pinard


Correio dos Açores, 30 de novembro de 1934

sábado, 6 de dezembro de 2014