segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Envenenamento de um cão



O distinto poeta Bulhão Pato visitou frequentemente os Açores, demorando-se às vezes meses em São Miguel e na Terceira. Foi muitas vezes, em Vila Franca hóspede do seu grande amigo Sebastião do Canto.

Dedicado à espécie canina, causa emoção uma poesia elegíaca inspirada pela morte de uma linda perdigueira, sua fiel companheira das caçadas.

Dotado, como quase todos os poetas, de rara sensibilidade, Bulhão Pato sentiria certamente desgosto se soubesse que a Vila Franca das Flores se notabilizava pela guerra feita ao mais fiel amigo do homem, o pobre cão.

Mais de uma vez, naturais da Vila, e citarei como exemplo o ilustre vila-franquense sr. Dr. Urbano Mendonça Dias, têm chamado a minha comovida atenção para o lamentável espetáculo que oferecem, expostos nas ruas, cadáveres de cães a que foi propinada estricnina por mão incógnita e impiedosa.

Ultimamente deu-se mais um destes casos: um continental saiu da vila abandonando o um pobre cão que possuía.

Uma gentil criança, filha do sr. Manuel Cabral de Melo, residente na rua da Vitória, tomou o desamparado quadrúpede sob a sua proteção, e todos os dias lhe fornecia um repasto que lhe garantia a existência.

Pessoa de mau coração - parece que moradora na mesma rua e muito embora o infeliz animal fosse absolutamente inofensivo, entendeu eliminá-lo da circulação envenenando-o cruelmente com grande mágoa do seu jovem protetor, cujo excelente coração é digno de maiores elogios.

Felizmente, parece que semelhantes casos não se repetirão por muito tempo visto que no continente da República há quem esteja eficazmente ocupando dos direitos dos irracionais e do dever que assiste ao Estado de os proteger.

Em breve tratarei deste momentoso assunto e para o ilustre zoófilo que no mesmo se empenha vão desde já os meus mais sinceros e comovidos aplausos.
Alice Moderno

(Diário dos Açores, nº 20026, 26 de Julho de 1945)

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