domingo, 26 de agosto de 2012

Sociedade Micaelense Protetora dos Animais



Sociedade Micaelense Protetora dos Animais

Começou esta benemérita sociedade os seus trabalhos, que, muito embora ingratos e árduos, devem vir a ser coroados do melhor êxito.
Não carece de ser defendida a legitimidade da sua existência, e devem estar na mente de todos as causas determinantes da sua criação.
A brutalidade, inata nas mais baixas classes sociais, com raras e muito honrosas exceções, leva-as a considerarem os animais unicamente como produtores de um salário com que os donos se vão locupletando, dando-lhes o alimento indispensável à conservação da sua miserável existência, obrigando-os a trabalhar, quando estão doentes e martirizando-os com mais bárbaros castigos, quando por absoluta impossibilidade física, se recusam a deslocar os fardos, em toda a hipótese superiores às suas forças, que entendem deverem transportar.
Dado este estado de coisas, cumpria ao bom nome da sociedade micaelense, tão propícia, como as que mais o são, à prática do bem, por cobro a que se continuassem a por  em prática os abusos que vimos apontando e que, infelizmente, se iam dando, em cenas pouco edificantes, desenroladas em plena rua.
A infância abandonada e desvalidada tem direito à proteção, e possui, nesta cidade, em belo edifício próprio, um asilo, onde crianças do sexo feminino recebem o pão do corpo e do espírito.
Para os indivíduos do sexo masculino, e identidade de circunstâncias, instituiu um benemérito, João Francisco Cabral, um internato.
Os vencidos da sorte, na época em que os achaques da velhice os inutilizam para o trabalho, encontram também, no Asilo de Mendicidade, o teto que os abriga e a alimentação que os supre.
Para os forasteiros e jornaleiros, que não se veem ainda absolutamente inutilizados, ou, mesmo, não podem, pelo seu feitio, coadunar-se com o internato, foram criados  o Albergue Noturno e a Cozinha Económica, instituições em que a generosidade da alma feminina esplende com os seus mais nítidos fulgores.
Para aqueles que adoecem, e não podem, ou mesmo não querem tratar-se em suas casas, existe o Hospital de Ponta Delgada, que, tanto pelos seus recursos pecuniários, instituídos por opulentos legados de generosos benfeitores, coo pelas suas excelentes instalações cirúrgica e radiográfica, e pelos seus corpos médicos e de enfermagem, pode ser considerado como um dos primeiros do país.
Os animais, porém, nossos irmãos inferiores, segundo a frase tocante do admirável santo que foi São Francisco de Assis, esses, não tinham ainda almas que compartilhassem das suas dores, nem vozes que se levantassem na defesa dos seus direitos.
Felizmente, um grupo de indivíduos bem-intencionados resolveu consagrar alguns dos seus escassos ócios em prol dos infelizes abandonados, e, de ora em diante, como início desta generosa cruzada, serão reprimidas e castigadas cenas de brutalidade de que eram teatro as nossas ruas, e muitas vezes mereceram a mais acerba censura dos forasteiros que nos visitavam.
Por este passo dado na estrada da civilização, de que é fator importantíssimo a piedade para com os que sofrem, felicitamos cordialmente as pessoas que, com prejuízo dos seus interesses próprios, ou ainda inutilizando as poucas horas de descanso que usufruem, fundaram a Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, e a têm levado sem esmorecimentos nem impaciências – característico de tíbios e nevróticos – ao ponto em que hoje se encontra, de começar o seu funcionamento, que certamente chamará para ela a atenção do público, que bem merece, e sem a proteção do qual não conseguirá manter-se.
(A Folha, 24 de Novembro de 1912)

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Sociedade Micaelense Protetora dos Animais



Sociedade Protetora dos Animais
Reassumiu a presidência da direção desta benemérita associação o sr. Capitão Tibúrcio Carreiro da Câmara, tendo sido encarregada de secretariar a mesma a pedido deste e do sr. Governador Civil do distrito, digno presidente da Assembleia Geral, a nossa presada colega da “Revista Pedagógica”, srª. D. Maria Evangelina de Sousa.
É de crer que, devido à boa vontade destes três importantes fatores na constituição da sociedade, comece a mesma a prestar importantes serviços, que bem necessários se tornam, para seu levantamento.
De facto, é absolutamente condenável a crueldade com que nesta ilha são tratados os pobres animais, sendo letra morta as posturas municipais redigidas no intuito de os proteger.
Com efeito e contra a expressa determinação do que estas posturas impõem ou deveriam impor, vemos todos os dias carroças e até carros de aluguer puxados por animais chagados, ou exaustos de trabalhar.
Se um dos desventurados escorrega e cai, o condutor do carro “auxilia-o” a levantar-se atirando-lhe grossa pancadaria à cabeça e dirigindo-lhe insultos que se não ultrajam a dignidade do infeliz quadrúpede, ofendem todavia a moral pública e suscetibilizam os ouvidos de quem passa.
A polícia, em semelhantes ocasiões, brilha pela sua ausência, ou então, finge que não vê, e cada um prossegue o seu caminho, no louvável intuito de se não ralar para não alterar a fatura do “chylo”.
Este statum quo, todavia absolutamente impróprio de uma cidade civilizada, tem de fatalmente modificar-se. É necessário que os protejamos, nós para quem o bem não é simplesmente um substantivo comum, masculino, singular, sem nenhuma outra significação além das suas circunstâncias gramaticais.
Para o conseguir, é preciso em primeiro lugar que se cumpram as posturas municipais até hoje descuradas, e que aos guardas da polícia cívica seja recomendada a máxima vigilância no sentido de serem reprimidas as cenas de crueldade que todos os dias vimos presenciando.
Seria também justo que fossem multados os donos das cocheiras que empregam em seu serviço animais doentes.
De todos estes assuntos e de muitos outros se pretende tratar na próxima reunião da sociedade, a qual será oportunamente anunciada.
Eis o que nos cumpre informar a uma colega local e a algumas pessoas, amigos dos animais, que nos perguntaram o que sobre o assunto se oferecia de novo.
(A Folha, nº 518, 27 de Outubro de 1912)

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Proteção aos animais



Sob este título, insere, no seu último número, datado de 5 do corrente, “O Autonómico” de Vila Franca:
“Pelo que acabamos de ler, parece que em Angra se vai tomando a peito a proteção aos animais, devido ao zelo e esforços de uma sociedade que para tanto ali se organizou.
Muito justo e louvável.
Bom era que também entre nós se cultivasse a sério tal assunto e desse inteiro cumprimento ao nosso código de posturas municipal, que naquele particular diz:
“Artigo 46º” – A ninguém é permitido:
1º- Carregar os animais, ou veículos tirados por aqueles, de modo que se exija dos mesmos animais esforços extraordinários;
2º- Empregar em serviços animais extenuados, chagados, famintos ou notavelmente doentes;
3º- Espancar ou tratar com crueldade publicamente os animais próprios ou alheios:
Parágrafo único- A transgressão dos números 1 e 2, deste artigo será punida com a multa de seiscentos reis, e a do número 3 com a multa de mil e duzentos reis.”
Já de há tempos que “O Autonómico” vem escrevendo sobre a forma descaroável porque se tratam os animais, não só em Vila Franca, como, infelizmente, em toda a ilha de São Miguel.
Por esse facto, não regatearemos encómios àquele colega.
E, a propósito, informá-lo-emos que existe, na pátria de Bento de Góis, um vendilhão de peixe, surdo-mudo de nascença, que espanca o pobre burro que lhe serve de ganha pão com uma ferocidade inaudita e revoltante.
Esse facto foi presenciado não há muitas semanas, na Praia, por várias pessoas, entre as quais citaremos os srs. João Nicolau Ferreira, Henrique Machado de Ávila e a redatora deste jornal.
Encontrava-se também presente um súbdito alemão que, no auge da maior indignação, quis intervir, em defesa do pobre burro, contra o ferocíssimo aborto que, armado de um grosso cacete, atirava à cabeça da infeliz cavalgadura enormes bordoadas.
E, na verdade, aquele infamíssimo procedimento estava mesmo a pedir a pena de talião.
Quem com ferro mata…
Concordando plenamente, pois, com as reclamações sensatas e humanitárias do “Autonómico”, chamamos a atenção das autoridades competentes e as daquele jornal para o bárbaro procedimento do vendilhão de peixe surdo-mudo de Vila Franca do Campo.
(A Folha, nº 516, 13 de Outubro de 1912)

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Proteção aos animais



Foram aprovados, por alvará do sr. Governador Civil do distrito, os estatutos da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, a qual vai começar em exercício, na posse do diploma que a autoriza a funcionar legalmente.
Aos sócios, seus fundadores, não passam despercebidas as dificuldades que vão encontrar, a relutância sistemática, a má vontade, a brutalidade congénita hereditária, atávica, das massas incultas da sociedade micaelense. Será pois, para os sócios fundadores, o estabelecimento da sociedade, um verdadeiro martirológio, em que vão enveredar benemeritamente.
Mas a verdade é que não podíamos, sem menosprezo para nós mesmos, continuar a permanecer no indiferentismo comodíssimo de quem presencia cenas de uma revoltante iniquidade, e, encolhendo os ombros, prossegue no seu caminho, a tratar dos seus negócios ou a fazer o “chylo”, depois de um confortável jantar.
É necessário que tomemos a parte dos nossos irmãos inferiores, segundo a eloquentíssima frase de S. Francisco de Assis!
Todos os dias se encontram carroças demasiadamente carregadas, sendo manifesto o esforço dos animais de tiro que as deslocam!
Todos os dias se veem indivíduos na força da vida, na pujança da saúde, em carroças pesadíssimas de madeira, puxados por animais das raças caprina e lanígera!
Todos os dias nos confrontamos com veículos destinados ao transporte de passageiros, custosamente arrastados por animais esqueléticos, reconhecidamente tuberculosos e, ainda por cima, cheios de chagas e equimoses!
A maior parte dos muares que puxam carroças são cegos de um olho, visto que os condutores, muito propositadamente, os espicaçam nessa parte sensibilíssima do corpo, com uma selvajaria que está mesmo a pedir o mais severo dos corretivos!
Em todas as horas do dia, topamos carroças debaixo das quais vem amarrado um cão, que tem fatalmente de acompanhar oi passo do animal incomparavelmente maior do que ele, que transporta o veículo, sob pena de morrer estrangulado, ou de ser feito em pedaços de encontro às pedras de calçada, com a circunstância agravante de não poder parar, se  porventura necessitar fazê-lo, nem saciar a sede nas fontes públicas, cujas águas cristalinas devem consubstanciar para o infeliz quadrúpede o martírio de Tantalo!
Frequentemente vemos nas nossas estradas, e até nas nossas ruas, mortalmente feridos ou irremediavelmente estropiados, indivíduos da espécie canina, atropelados por automóveis, em doida correria!
Há semanas, não era raro verem-se, nas ruas da baixa, cães envenenados, de olhos vidrados, nas convulsões da agonia, em consequência de lhes haverem sido propinadas pilulas de estricnina!
Na linda estrada nova que nos leva de Ponta Delgada à Ribeira Grande, à esquerda, existe uma cova, de muitos metros de altura, de onde são despenhados pelos donos todos os animais velhos, cansados de os servir, ou ainda aqueles de quem se pretendem desfazer, por antipatia muitas vezes injustificada!
É contra estes e outros atos da mais completa crueldade que nos cumpre protestar com toda a sinceridade das nossas convicções, com toda a comiseração que em nossos peitos cabe!
Pobres animais! Tão dedicados aos donos e à defesa da sua propriedade, tão pouco exigentes quanto à remuneração dos serviços que prestam, tão reconhecidos aos favores e bons tratos que recebem!
Acudir-lhes, na sua cruciante desdita, e levar aos cérebros apoucados que os brutalizam uns feixes de luz e caridade, eis a missão árdua mas nobilíssima a que se propõe a Sociedade Micaelense Protetora de Animais.
Bem haja, pois, e bem hajam aqueles que tomaram a generosa iniciativa de a fundar, não se poupando a esforços para o seu conseguimento!
(A Folha, nº 463, 24 de Setembro de 1911)

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Cães Envenenados



 Há dias, em frente à tip. da República, presenciámos a aflitiva morte de um cão rateiro, envenenado por meio de estricnina.
Nesse mesmo dia soubemos ter morrido pela mesma forma um outro cão, pertencente ao sr. Vicente Gaspar Henriques.
A este foram prestados socorros, mas sem resultado.
O primeiro cão apresentava-se bem comido e tratado, devendo também ter dono.
À hora e que este jornal entra no prelo comunicam-nos estar a agonizar, em frente aos armazéns Cogumbreiro, um cão de vigia.
Sabemos que a polícia procura descobrir os canicidas.
Pela nossa parte protestamos contra o bárbaro procedimento desses indivíduos, quem quer que sejam, e ainda censuramos o procedimento dos diretores de farmácias que vendem esse veneno a criaturas anónimas e inconscientes – que outras não podem ser as que tão cruelmente procedem contra animais inofensivos – habilitando-as assim, a inclusivamente, atenderem contra a vida humana – pois quem por tal forma procede, se não completa a obra, eliminando o seu semelhante, é unicamente com medo do código penal.
Aqui fica registado, pois, o nosso protesto contra um e outro facto.
(A Folha, nº 457, 13 de Agosto de 1911)

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Cães envenenados



Informam-nos que todos os dias aparecem, de madrugada, pelas ruas da cidade, cadáveres de cães, mortos, sem dúvida, por lhes ter sido ministrada a fatal estricnina.
Protestamos contra esse processo sumário de eliminar o melhor amigo do género humano.
Se há, infelizmente, cães sem dono, pobres animais abandonados, que incomodam os transeuntes, não trazem estes letreiro, e o bolo municipal pode muito bem ser ministrado a algum animal doméstico, que não traga coleira por não o permitir o indígena, mas cujo dono tenha pago o respetivo imposto.
Alvitramos, pois, que os cães vadios sejam depositados em qualquer recinto, anunciados, e só mortos no caso de não serem reclamados, e de não haver que se prontifique a adotá-los, responsabilizando-se pela sua sustentação.
Como membro fundadora da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, protestamos, pois, contra os canicídios que nos dizem haver-se realizado.
(A Folha, nº 442, 30 de Abril de 1911)

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Sociedade Protetora dos Animais



Sociedade Protetora dos Animais

O sr. Francisco Maria Supico, nosso distinto e respeitável colega de A Persuasão e Gazeta da Relação, no seu número de 28 de setembro, do primeiro desses jornais, inseriu a seguinte local:
“Proteção aos animais – A nossa distinta colega, d’A Folha, reproduzindo no seu número de 11 do corrente, um belo artigo do sr. João Anglin, aluno muito considerado do Liceu Central desta cidade, sobre criação de uma sociedade protetora dos animais, a nossa referida colega, repetimos, aproveitou o ensejo para continuar na simpática, porém até agora pouco feliz propaganda da proteção aos animais. Está muito bem entregue a causa. Para advogar as que ferem a sentimentalidade, não há como o coração duma senhora, mormente se ela dispõe dum espírito luminoso e culto, como o da ilustre colega srª D. Alice. E como a primorosa escritora se lamenta agora o ter-se visto desajudada dos colegas neste humanitário trabalho, acudimos a dizer-lhe que não sabemos explicar a causa do nosso silêncio, a nenhum modo propositado, mas conseguindo-se ir guardando para amanhã (o santo amanhã de Portugal) o principiar de qualquer coisa que poder ter demora na conclusão. De um dia para o outro, de semana e mês para semana e mês vai decorrendo o tempo, passam anos até que por nós mesmos é censurado este espasmo de torpor que tanto nos magoa.
E aqui está a nossa desculpa no caso presente. Não lhe atribua outra origem a ilustre colega, e conte com o nosso aplauso à sua cruzada e com o auxílio mais ou menos débil, que lhe possamos dar.”
Agradecendo ao ilustre confrade as amabilidades que nos dirige, pedimos-lhe licença para as contestar, e igualmente a classificação de débil com que adjetivava o seu auxílio, em prol dos nossos irmãos inferiores.
Na imprensa não há, felizmente, vox clamantis in deserto, quando a causa é justa e a forma é correta, além de que, a voz do ilustrado colega, sr. Franscisco Maria Supico, decano da nossa imprensa, ecoou sempre no meio micaelense com sonoridade e clareza, sendo consequentemente importante o seu auxílio, que registamos e com o qual ficamos a contar.
Realizar-se-ão brevemente, na redação deste jornal, algumas sessões noturnas em que serão elaborados e discutidos os estatutos, a fim de serem submetidos à autorização superior.
Para presidente da Sociedade será convidado o sr. António José de Vasconcelos, grande proprietário, agricultor, lavrador e benemérito micaelense, sendo os restantes membros da Direcção eleitos pela assembleia geral, composta de todos os cidadãos, sem distinção de sexo, idade ou classe, que queiram pertencer à sociedade.
De todos os trabalhos realizados iremos dando conta nos seguintes números deste jornal.
(A Folha, nº 415, 2 de Outubro de 1910)

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

João Anglin e a Sociedade Protetora dos Animais




Sociedade Protetora de Animais

A Vida Nova, no seu nº de 15 de agosto, publicou o seguinte artigo, da autoria do Sr. João Anglin, distinto aluno do Liceu Central desta cidade:
Uma das mais manifestas provas da ignorância do nosso povo é a feroz brutalidade que usa com os pobres animais que na maioria dos casos lhe são um valioso auxílio na luta quotidiana pela vida.
Estes repugnantes espectáculos que diariamente se repetem nas ruas desta cidade nada atestam a favor da nossa boa terra, antes a desconceituam aos olhos dos estrangeiros que nos visitam os quais nos terão na conta de brutos a julgar por essas cenas bárbaras de que são vítimas os pobres animais indefesos.
Com isto não queremos dizer que o povo seja mau, porque de há muito está provado que não há homens maus. O que há apenas é essa crassa ignorância por cuja perpétua conservação tanto se empenham os políticos e governantes.
Um dia virá em que essas atrocidades serão por completo eliminadas, mas antes de se chegar a essa época de felicidade era bom que alguma coisa se fizesse no sentido de melhorar a sorte desses pobres seres que tantos serviços prestam ao homem e que em recompensa recebem forte pancadaria quando porventura se encontram impossibilitados de trabalhar tanto quanto os seus donos exigem. É para evitar estas bestialidades que existem as Sociedades Protectoras de Animais.
Na nossa terra já alguém se lembrou de fundar uma sociedade destas e se não nos enganamos chegaram a ser elaborados os estatutos mas até agora não nos consta que além deste se tenham empregado outros quaisquer esforços para a realização dessa excelente ideia.
Os órgãos da imprensa local que tanto alarde fizeram quando se apresentou o alvitre da fundação de uma Sociedade Protetora de Animais calaram-se misteriosamente sem que até hoje saibamos o motivo desse súbito silêncio. Do mesmo modo o público o desconhece e por isso pedimos que nos digam qual o fim que levaram os estatutos da Sociedade: se foram dormir o sonho dos justos no cesto dos papéis velhos e inúteis ou se ainda existem para algum dia terem a sua aplicação.
Pela nossa parte ao lermos o artigo do Sr. Anglin, pegamos na carapuça, que tão bem talhara, e encaixamo-la na cabeça até abaixo das orelhas...
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A Folha foi e tem sido, de há oito anos para cá (longa peregrinação esta, pelo calvário da imprensa periódica!) uma defensora dedicada dos direitos dos pobres animais, tão mal tratados, nesta terra, pelas classes menos cultas da sociedade.
Abriu mesmo uma campanha, generosamente secundada por alguns colegas.
Estabeleceu-se que se redigiriam estatutos para a criação da Sociedade Protetora dos Animais, estatutos  que deveriam ser submetidos à aprovação superior.
Depois…os trabalhos inerentes a quem luta pela vida, foram obrigando os que mais dedicadamente haviam lançado e patrocinado a ideia, a dilatar a sua execução.
Da teoria à ação vai muitas vezes uma distância enorme. E assim foram continuando sem proteção legal, entre nós, os pobres animais que tão bons serviços nos prestam.
E por isso, continuam a ser vistos, pelas ruas de Ponta Delgada, a 3ª cidade do reino:
Muares cheios de feridas, deslocando, da Ribeira Grande a Ponta Delgada, e vice-versa, grande s veículos que transportam 12 pessoas e variada carga.
Carneiros e cabras utilizados como animais de tiro.
Cães obrigados a pegarem com os dentes em cestos que contêm géneros alimentícios em grande quantidade.
Animais de tiro puxando carroças cheias de cunhais, e cujo zelo pelo trabalho é estimulado com pancadas dadas pelos carroceiros por meio de grossos fueiros.
E isto tudo, para edificação dos estrangeiros que nos visitam, para aproveitamento moral das crianças que temos o dever de guiar, para aperfeiçoamento dos cidadãos, com os quais vivemos, com os quais somos solidários…
Muito longe de nós a ideia de increparmos a responsabilidade do que apontamos a quem quer que seja, individualmente falando.
A responsabilidade é de todos e, como já declarámos, pela nossa parte, encaixamos na cabeça a carapuça, muito bem talhada pelo sr. Anglin, na Vida Nova.
Mas urge providenciar, em nome da caridade que nos merecem os pobres animais que tão bons serviços prestam, o que , como escrevemos algures, nos guardam, nos servem e nos amam com tão enternecido afeto.
É necessário que do âmago de todos os corações surja para com eles um pouco de piedade e de amor.
E como o analfabeto não compreende que, aos direitos que lhes assistem sobre eles, correspondem deveres em igual intensidade, é mister que intervenhamos, com toda a eficácia da lógica, e com todo o rigor aparente da Lei.
E mais uma vez apelamos para a Imprensa, e temos fé que, ao menos agora, saberá unir-se com mais solidariedade e agir com mais energia.
As teorias, mesmo as melhores, abrem caminho, é certo, mas de pouco servem, se a prática não as vem completar.
E assim, continuemos com dedicação e com fé, até completa vitória, nesta generosa campanha em prol daqueles a quem São Francisco de Assis chamou:
“Os nossos irmãos inferiores”
(A Folha, nº 412, 11 de Setembro de 1910)