domingo, 17 de junho de 2012

Alice Moderno (1867-1946) - uma singela homenagem



“Lembra-te sempre que ao maltratares um animal vais ferir a tua própria dignidade” (Alice Moderno)

Hoje, 5 de Outubro de 2010, quando se comemoram 100 anos de implantação da República, aproveitamos o dia para prestar uma singela homenagem a Alice Moderno.
Mas quem foi Alice Moderna para que estejamos, aqui, a recordá-la?

Para além da sua actividade de jornalista, escritora, agricultora e comerciante, Alice Moderno foi uma mulher que pugnou pelos seus ideais republicanos e feministas, sendo uma defensora da natureza e amiga dos animais.
Como precursora dos actuais movimentos de defesa do ambiente, de que muitos de nós somos membros, Alice Moderno, no início da segunda década do século passado, já pensava que uma árvore de pé poderia ter mais valor do que abatida. Vejamos o que dizia a propósito:

“Plantar árvores é não só amar a natureza. Mas ainda ser previdente quanto ao futuro, e generoso para com as gerações vindouras. Cortá-las ou arrancá-las a esmo, sem um motivo justo, é praticar um acto de selvajaria”(A Folha, 16/2/1913).

“A árvore é confidente discreta dos namorados e a desvelada protectora dos pássaros – esses poetas do ar. A árvore é a maior riqueza da gleba, o maior tesouro dos campos e o maior encanto da paisagem!” (A Folha, 15/3/1914).

Como amiga dos animais, Alice Moderno foi mais sobretudo uma mulher de acção. Com efeito, embora fundada em 1911, a Sociedade Micaelense Protectora dos Animais esteve quase inactiva até 1914, data em que Alice Moderno assumiu a sua presidência. Durante a presidência de Alice Moderno, foram criadas as condições para o funcionamento da SMPA, como a aquisição de uma sede e de mobiliário e foram tomadas medidas conducentes a acabar com os maus tratos que eram alvo os animais usados no transporte de cargas diversas, nomeadamente os que transportavam beterraba para a fábrica do açúcar, e para a educação dos mais novos através do envio de uma comunicação aos professores “pedindo-lhes para que, mensalmente, façam uma prelecção aos seus alunos, incutindo no espírito dos mesmos a bondade para com os animais, que não é mais do que um coeficiente da bondade universal”.

Mas, Alice Moderno não se preocupava apenas com os animais de tiro, pois uma das suas preocupações foi a criação de um posto veterinário para tratamento de todos os animais. A propósito dizia ela:

“Caridade não é apenas a que se exerce de homem para homem: é a que abrange todos os seres da Criação, visto que a sua qualidade de inferiores não lhes tira o direito aos mesmos sentimentos de piedade e de justiça que prodigalizamos aos nossos semelhantes”.

A evolução da sociedade fez com que quase desaparecessem os problemas associados ao transporte de cargas. Hoje toda a nossa atenção deverá recair sobretudo sobre o abandono de animais domésticos, o tratamento dado aos animais de produção e ao retrocesso civilizacional que se está a assistir com a tentativa de introduzir touradas onde não são tradição e de agravar a tortura dos touros bravos, com a legalização da sorte de varas e touros de morte.

Alice Moderno, também não foi indiferente às touradas. Foi convidada e assistiu contrariada a uma tourada, na ilha Terceira, e não ousou comunicar aos seus amigos, considerando-os “semi-espanhóis no capítulo de los toros”, o que pensava pois, escreveu ela, “não compreenderiam decerto a minha excessiva sentimentalidade”.
Na sua carta XIX, referindo-se à tourada a que assistiu escreveu o seguinte:

“É ele [cavalo], não tenho pejo de o confessar, que absorve toda a minha simpatia e para o qual voam os meus melhores desejos. Pobre animal, ser incompleto, irmão nosso inferior, serviu o homem com toda a sua dedicação e com toda a sua lealdade, consumindo em seu proveito todas as suas forças e toda a sua inteligência! (…) Agora, porém, no fim da vida, é posto à margem e alugado a preço ínfimo, para ir servir de alvo às pontas de uma fera, da qual nem pode fugir, visto que tem os olhos vendados!”

“E esta fera [touro], pobre animal, também, foi arrancada ao sossego do seu pasto, para ir servir de divertimento a uma multidão ociosa e cruel, em cujo número me incluo! (…) Entrará assim em várias toiradas, em que será barbaramente farpeada até que, enfurecida, ensanguentada, ludibriada, injuriada, procurará vingar-se, arremessando-se sobre o adversário que a desafia e fere. Depois de reconhecida como matreira, tornada velhaca pelo convívio do homem, será mutilada”.

Que o exemplo de Alice Moderno nos dê forças para os combates em que estamos envolvidos, por uma terra mais limpa, justa e pacífica.

Ponta Delgada, 5 de Outubro de 2010

Teófilo Braga

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