sábado, 30 de junho de 2012

Em defesa dos carneiros

O cuidado em matar a sede às cabras em contraste com outros comportamentos desrespeitadores do bem -estar animal. (São Miguel, Junho de 2012)
Barbaridade
Não tem outro nome o facto de se obrigar um pobre carneiro a transportar em longas distâncias e às vezes por caminhos em declive e mal calçados, pesados fardos e indivíduos de proporções avantajadas, com o quadruplo do peso do infeliz quadrupede!
Não há muitos dias, no caminho de S. Gonçalo, encontrámos uma carroça de carneiro, sobre a qual dois indivíduos, que, de “humanos só tinham a forma e o gesto”, estavam comodamente sentados, ao passo que o pobre ruminante se esfalfava para deslocar o enorme peso que os dois, adicionados à carroça, representavam.
Para idênticos factos pedimos a intervenção da polícia.
O carneiro fornece-nos a lã que nos agasalha o corpo. A sua fémea dá-nos o leite e a lã. Em épocas eleitorais de antigas eras, tinham também papel político. Em épocas todo o tempo é comido: guisado, com batatas; cosido, com molho de alcaparras; e, assado, au cresson…Querer, ainda por cima, que seja animal de tiro, é exigir muita coisa de um só animal.
Contra estes factos, protestamos, em nome da humanidade, e reclamamos a acção policial. Sejam multados os indivíduos que abusam tão brutalmente da sua força, em prejuízo de um pobre ser indefeso. E ficaremos um pouco mais levantados perante os estrangeiros, visto que a civilização de um povo se aquilata principalmente pela forma pela qual se trata os seres inferiores.
(A Folha, nº 535, 23 de Fevereiro de 1913)

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Maus Tratos no Faial da Terra


Maus tratos a animais
Foi comunicado à Sociedade Micaelense Protetora dos Animais que na freguesia do Faial da Terra (concelho da Povoação) foi barbaramente esfaqueado um animal da raça asinina.
Pertence a José Rodrigues Carroça e o agressor do infeliz quadrúpede tem o nome de Joaquim São Pedro, nome que está em perfeita antítese com as ações que pratica.
Presenciaram o ato indigno duas testemunhas: Amílcar Fernandes Caixa e José Mauça. O pobre jumento, que seguia da Povoação para o Faial da Terra, ficou em estado de não poder trabalhar.
Consta que o mesmo São Pedro tem praticado já por vezes façanhas idênticas, pelo que merece severo corretivo, além de uma indemnização ao dono do animal, que está sendo muito prejudicado com a doença deste.
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A propósito:
Vemos com prazer que não tem sido infrutífera a nossa campanha em prol dos nossos irmãos inferiores, segundo a simpática e feliz expressão de São Francisco de Assis. Já nas freguesias rurais os respetivos regedores tomam conhecimento dos maus tratos aos animais, buscando reprimir e castigar a selvajaria indígena. Honra lhes seja!
No intuito de os auxiliar nesta generosa cruzada oficiamos nesta data, em nome da benemérita Sociedade a que temos a honra de presidir, ao nosso ilustre amigo e colaborador sr. Luís Leitão, pedindo-lhe que, como primeiro elemento de propaganda, remeta aos regedores das freguesias desta ilha a sua excelente publicação “Revista do Bem, gratuitamente distribuída.
(A Folha, nº 628, 28 de Fevereiro de 1915)

domingo, 24 de junho de 2012

Pobres cães

Cães da AFAMA abatidos pela Câmara Municipal da Horta ( ler mais aqui )


Pobres cães
Se é certo que o cão é o melhor amigo do homem, certíssimo é também que a generalidade dos homens não reconhece a dedicação do pobre animal.
Assim, a rede aos cães vadios, que de antes era feita de tempos a tempos, e depois das 23 horas, faz-se agora quase todas as noites e muito antes da hora acima indicada.
Na última sexta-feira, por exemplo eram apenas 21 horas e meia, passava em frente aos velhos poços concelhios, a sinistra carroça, puxada por um boi pachorrento e triste, e escoltada pelo cabo 38.
Dali a pouco ouviu-se ganir desesperadamente um pobre cão, talvez ferido na ocasião de ser apreendido e atirado ao cárcere, ante câmara de morte pela estricnina.
Pobres cães! Em paga da dedicação que nos votam, condenamo-los à fome, ao frio, ao pontapé da garotada, ao atropelo dos automobilistas e à rede acompanhada da carroça, cujo rodar, sinistro como um dobre a finados, ecoa lugubremente aos ouvidos dos sentimentais, que vendo no cão o amigo super omnia, lamentam que não haja leis que, em paga da sua dedicação, comprovada e proverbial, lhes garantam pelo menos a liberdade de transito até às 24 horas do dia!
(A Folha, nº 625, 17 de Fevereiro de 1915)

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Alice Moderno, as festas do Espírito Santo e os animais


Impérios
Não tem faltado em toda a ilha as festas de Espírito Santo conhecidas pelo nome de Impérios e cujos característicos são iluminações, fogo preso, arraial, mudança de bandeira de casa de um mordomo para a de outro, distribuição de carne, pão e massas, etc.
É certamente uma época alegre para o povo, mas quem paga a patente são os pobres bois, que são abatidos em grande número, depois de passeados pelas ruas com adornos de flores, o que faz lembrar a época do paganismo.
(A Folha, nº 598, 14 de Junho de 1914)

terça-feira, 19 de junho de 2012

ALICE MODERNO E AS TOURADAS


“Lembra-te sempre que ao maltratares um animal vais ferir a tua própria dignidade” (Alice Moderno)

Alice Moderno que foi jornalista, escritora, agricultora e comerciante foi uma mulher que pugnou pelos seus ideais republicanos e feministas, sendo uma defensora da natureza e amiga dos animais.
Na sua luta em defesa dos animais, Alice Moderno não foi especista, isto é não discriminava os animais tendo em conta a sua espécie. Assim, no seu jornal “A Folha” todos os animais (cães, gatos, cavalos, aves, touros, etc.) foram dignos da sua atenção e dos seus colaboradores. Mas como em São Miguel na altura em que ela viveu os grandes problemas estavam relacionados com a morte, por envenenamento e por atropelamento, de cães e os maus tratos aos animais de tiro, foram estes últimos que foram alvo de uma maior referência.
Para além dos apelos de das denúncias tornados públicos através de “A Folha” e do seu envolvimento na criação e no funcionamento da Sociedade Micaelense Protectora dos Animais, uma das suas grandes preocupações foi a criação de um posto veterinário para tratamento de todos os animais. A propósito da necessidade de tratar todos os animais dizia ela:
“Caridade não é apenas a que se exerce de homem para homem: é a que abrange todos os seres da Criação, visto que a sua qualidade de inferiores não lhes tira o direito aos mesmos sentimentos de piedade e de justiça que prodigalizamos aos nossos semelhantes”.
Alice Moderno, também não foi indiferente às touradas, pois não seria coerente consigo mesmo condenar o uso da aguilhada que não é mais do que um “pau delgado e comprido, ordinariamente com ferrão na ponta, para picar os bois na lavoira e na carretagem” e nada dizer sobre os ferros com que são martirizados os touros nas touradas de praça.
Assim, o jornal “A Folha” deu guarida a diversos textos sobre touradas, a maioria dos quais da autoria do zoófilo Luís Leitão.
Numas notas de Luís Leitão, datadas de 1910, este faz referência à proibição das touradas na República da Argentina e à tentativa, dos espanhóis, de organizar touradas em Paris, em 1889, por ocasião de uma exposição, o que levou a que alguém protestasse nos seguintes termos: “As corridas de touros exibidas na época actual, em Paris, no coração da França, no meio de tanta maravilha da arte e da indústria seriam um anacronismo, uma monstruosidade, uma acção má”.
Foi convidada e assistiu contrariada a uma tourada, na ilha Terceira, e não ousou comunicar aos seus amigos, considerando-os “semi-espanhóis no capítulo de los toros”, o que pensava pois, escreveu ela, “não compreenderiam decerto a minha excessiva sentimentalidade”.
Na sua carta XIX, referindo-se à tourada a que assistiu escreveu o seguinte:
“É ele [cavalo], não tenho pejo de o confessar, que absorve toda a minha simpatia e para o qual voam os meus melhores desejos. Pobre animal, ser incompleto, irmão nosso inferior, serviu o homem com toda a sua dedicação e com toda a sua lealdade, consumindo em seu proveito todas as suas forças e toda a sua inteligência! (…) Agora, porém, no fim da vida, é posto à margem e alugado a preço ínfimo, para ir servir de alvo às pontas de uma fera, da qual nem pode fugir, visto que tem os olhos vendados!”
“E esta fera [touro], pobre animal, também, foi arrancada ao sossego do seu pasto, para ir servir de divertimento a uma multidão ociosa e cruel, em cujo número me incluo! (…) Entrará assim em várias toiradas, em que será barbaramente farpeada até que, enfurecida, ensanguentada, ludibriada, injuriada, procurará vingar-se, arremessando-se sobre o adversário que a desafia e fere. Depois de reconhecida como matreira, tornada velhaca pelo convívio do homem, será mutilada”.
O terceirense Adriano Botelho tem uma opinião muito semelhante a Alice Moderno, como se pode concluir através da leitura do texto que abaixo se transcreve:

”…fazem-se por outro lado, reclames entusiastas de espectáculos, como as touradas de praça onde por simples prazer se martirizam animais e onde os jorros de sangue quente, os urros de raiva e dor e os estertores da agonia só podem servir para perverter cada vez mais aqueles que se deleitam com o aparato dessa luta bruta e violenta, sem qualquer razão que a justifique”.
Teófilo Braga

in Correio dos Açores, 28 de Setembro de 2011

domingo, 17 de junho de 2012

A Criação do Hospital Veterinário Alice Moderno



Em texto anterior fizemos referência ao contributo ímpar de Alice Moderno para a criação e para as actividades da Sociedade Micaelense Protectora dos Animais, que como simples associada, quer, depois, como presidente da mesma.
Neste texto, mencionaremos as suas diligências no sentido da criação de um posto veterinário para tratamento de todos os animais. Dizemos todos os animais porque Alice Moderno não fazia discriminação, as suas preocupações não se limitavam apenas a alguns, mas a todos, incluindo os humanos: “caridade não é apenas a que se exerce de homem para homem: é a que abrange todos os seres da Criação, visto que a sua qualidade de inferiores não lhes tira o direito aos mesmos sentimentos de piedade e de justiça que prodigalizamos aos nossos semelhantes”.
Para além de, no seu jornal “A Folha”, divulgar a experiência de associações congéneres, como a Sociedade Protectora dos Animais do Porto que possuía um posto veterinário onde, em 1913, foram prestados 515 serviços, foram muitos os apelos feitos por Alice Moderno, junto das Câmaras Municipais, no sentido da criação do ambicionado posto veterinário. Embora os apelos não tenham surtido qualquer efeito, podemos dizer que foram dados os primeiros passos, através da disponibilização de um veterinário, a partir de 1934, para tratamento dos animais.
Poucos dias antes da sua morte, a 31 de Janeiro de 1946, Alice Moderno deixou os seus bens, em testamento, à Junta Geral Autónoma do Distrito de Ponta Delgada, com a obrigação daquela entidade instituir um hospital para animais, no prazo máximo de dois anos.
Em Janeiro de 1948, foi fundado o Hospital Veterinário Alice Moderno, que começou a funcionar, primeiro num pequeno pavilhão na Rua Coronel Chaves, nas antigas instalações do CATE, e que agora funciona, em São Gonçalo, em instalações pertencentes aos Serviços de Desenvolvimento Agrário.
De acordo com um texto de Ana Coelho, publicado em 2009, no jornal Correio dos Açores, ficámos a saber que embora o sonho de Alice Moderno se mantenha vivo, o número de atendimentos estava a diminuir, apesar de não ser cobrado nada a quem “não tem condições económicas para pagar os tratamentos ou vacinas dos seus animais de estimação”.
Teófilo José Soares de Braga
6 de Agosto de 2010

Alice Moderno (1867-1946) - uma singela homenagem



“Lembra-te sempre que ao maltratares um animal vais ferir a tua própria dignidade” (Alice Moderno)

Hoje, 5 de Outubro de 2010, quando se comemoram 100 anos de implantação da República, aproveitamos o dia para prestar uma singela homenagem a Alice Moderno.
Mas quem foi Alice Moderna para que estejamos, aqui, a recordá-la?

Para além da sua actividade de jornalista, escritora, agricultora e comerciante, Alice Moderno foi uma mulher que pugnou pelos seus ideais republicanos e feministas, sendo uma defensora da natureza e amiga dos animais.
Como precursora dos actuais movimentos de defesa do ambiente, de que muitos de nós somos membros, Alice Moderno, no início da segunda década do século passado, já pensava que uma árvore de pé poderia ter mais valor do que abatida. Vejamos o que dizia a propósito:

“Plantar árvores é não só amar a natureza. Mas ainda ser previdente quanto ao futuro, e generoso para com as gerações vindouras. Cortá-las ou arrancá-las a esmo, sem um motivo justo, é praticar um acto de selvajaria”(A Folha, 16/2/1913).

“A árvore é confidente discreta dos namorados e a desvelada protectora dos pássaros – esses poetas do ar. A árvore é a maior riqueza da gleba, o maior tesouro dos campos e o maior encanto da paisagem!” (A Folha, 15/3/1914).

Como amiga dos animais, Alice Moderno foi mais sobretudo uma mulher de acção. Com efeito, embora fundada em 1911, a Sociedade Micaelense Protectora dos Animais esteve quase inactiva até 1914, data em que Alice Moderno assumiu a sua presidência. Durante a presidência de Alice Moderno, foram criadas as condições para o funcionamento da SMPA, como a aquisição de uma sede e de mobiliário e foram tomadas medidas conducentes a acabar com os maus tratos que eram alvo os animais usados no transporte de cargas diversas, nomeadamente os que transportavam beterraba para a fábrica do açúcar, e para a educação dos mais novos através do envio de uma comunicação aos professores “pedindo-lhes para que, mensalmente, façam uma prelecção aos seus alunos, incutindo no espírito dos mesmos a bondade para com os animais, que não é mais do que um coeficiente da bondade universal”.

Mas, Alice Moderno não se preocupava apenas com os animais de tiro, pois uma das suas preocupações foi a criação de um posto veterinário para tratamento de todos os animais. A propósito dizia ela:

“Caridade não é apenas a que se exerce de homem para homem: é a que abrange todos os seres da Criação, visto que a sua qualidade de inferiores não lhes tira o direito aos mesmos sentimentos de piedade e de justiça que prodigalizamos aos nossos semelhantes”.

A evolução da sociedade fez com que quase desaparecessem os problemas associados ao transporte de cargas. Hoje toda a nossa atenção deverá recair sobretudo sobre o abandono de animais domésticos, o tratamento dado aos animais de produção e ao retrocesso civilizacional que se está a assistir com a tentativa de introduzir touradas onde não são tradição e de agravar a tortura dos touros bravos, com a legalização da sorte de varas e touros de morte.

Alice Moderno, também não foi indiferente às touradas. Foi convidada e assistiu contrariada a uma tourada, na ilha Terceira, e não ousou comunicar aos seus amigos, considerando-os “semi-espanhóis no capítulo de los toros”, o que pensava pois, escreveu ela, “não compreenderiam decerto a minha excessiva sentimentalidade”.
Na sua carta XIX, referindo-se à tourada a que assistiu escreveu o seguinte:

“É ele [cavalo], não tenho pejo de o confessar, que absorve toda a minha simpatia e para o qual voam os meus melhores desejos. Pobre animal, ser incompleto, irmão nosso inferior, serviu o homem com toda a sua dedicação e com toda a sua lealdade, consumindo em seu proveito todas as suas forças e toda a sua inteligência! (…) Agora, porém, no fim da vida, é posto à margem e alugado a preço ínfimo, para ir servir de alvo às pontas de uma fera, da qual nem pode fugir, visto que tem os olhos vendados!”

“E esta fera [touro], pobre animal, também, foi arrancada ao sossego do seu pasto, para ir servir de divertimento a uma multidão ociosa e cruel, em cujo número me incluo! (…) Entrará assim em várias toiradas, em que será barbaramente farpeada até que, enfurecida, ensanguentada, ludibriada, injuriada, procurará vingar-se, arremessando-se sobre o adversário que a desafia e fere. Depois de reconhecida como matreira, tornada velhaca pelo convívio do homem, será mutilada”.

Que o exemplo de Alice Moderno nos dê forças para os combates em que estamos envolvidos, por uma terra mais limpa, justa e pacífica.

Ponta Delgada, 5 de Outubro de 2010

Teófilo Braga